Talvez você queira corrigir o título para “os” micro-ônibus. Sinta-se à vontade. Porém, chamávamos no feminino. Nesta foto, por exemplo, estou correndo para embarcar na micro do tio Luiz. O ano é 1991, terceira série do primeiro grau.
Uma festa só. Havia crianças de idades e turmas diferentes e ninguém brigava. Ir à escola ficava mais divertido. Quando eu subia, pediam para que eu imitasse o Silvio Santos. Imagine o timbre de voz de um menino de 9 anos para isso. Mas, já que achavam engraçado, tudo bem. Rarraê! Ih ih!
No final da tarde, antes de começar o trajeto de volta, o tio Luiz fazia a contagem para conferir se não faltava ninguém. Lembro dele com uma bituca de cigarro na boca. Grande coisa! Ninguém dava a menor bola para isso. Nossos pais também fumavam e ninguém se importava. Ele era muito legal.
O que queríamos mesmo é que ele terminasse logo a checagem para ligar o rádio. Isso porque era bem naquela hora que sempre tocava “Fera”, do Polegar, e não dava para perder. Quase como um coral, não havia quem não cantasse:
Você é fera, é um pantera traiçoeira. Mas o seu olhar de feiticeira, não tem nenhum poder sobre mim oh não, não, não, não…
Anos depois, foi a vez da micro prefixo 149, conduzida pelo tio Dante, um exemplo de motorista. Transportava dezenas de crianças barulhentas com a responsabilidade necessária. Calmo, cauteloso, inteligente. Prova disso é que na última vez que tive notícias dele, há uns 3 anos, seguia atuante. Uma vida consagrada. Homem de São Borja, terra do Getúlio e do Jango.
Entretanto, não fiz os mesmos amigos, o que tornou massacrante o trajeto. Por conta disso, virei alvo das brincadeiras de dois dos filhos do tio. Raramente reagi com vigor contra alguém. Nunca fui de briga. Diante das provocações, apertava os punhos, respirava fundo e bancava o monge budista. Como reagir se eles eram filhos do motorista? Apenas escutava:
– Tu tem síndrome de Down?
– Sabia que tu parece debiloide?
– Chegou o guri que tem febre tifoide!
– Nasceu uma espinha no teu rosto. Não te dói?
– Camisa do Inter? Colorado, vou cuspir nessa camisa.
Naquele tempo, não havia a palavra bullying. Que pena. Dava para fazer um bom escarcéu. Contudo, isso não me tornou um adulto com traumas. Ao contrário, tais insultos geravam mais forças para que eu estudasse e provasse na vida o quanto estavam enganados quando me subestimavam.
É bem verdade que fraquejei em alguns momentos. Dias em que retornei implorando aos meus pais para que me tirassem da micro. Aceitaria ir a pé à escola caso fosse preciso. Hoje penso que valeu a pena passar por isso. Os autores, seguramente, não devem lembrar. Quem sofre é que não esquece. Mas não guardo rancor algum.
A atitude de cada criança varia. Para a maioria, persiste a máxima de que não se deve levar desaforo para casa. Faz sentido. Eu, porém, engoli a seco. Estou escrevendo essa história dando risada. Comigo funcionou.
Genial.. eu vivi algo parecido.. tinha uma colega na segunda série que era filha da professora.. ela nao me xingava, mas muitas vezes me provocava e eu tinha medo de se expulsa da escola.. hehehe bjs texto sempre perfeito
Eu nunca andei de ônibus escolar pq minha mãe antes do trabalho me levava prá escola e tb minha vó. A escola era perto de casa mas tb sofri gozações, bullyng e até “exclusão” nem te conto…. Bjs
Por um momento fiquei com pena de ti. Mas como a história teve um final feliz não preciso mais me preocupar. Haha
Já falei que adoro a maneira como tu escreve?